1 de outubro de 2010

Esta sexta no Diário Económico, e acho que este meu guisado merece reprodução aqui

Austeridade 2011


O que é que acontece quando uma crise financeira internacional embate numa economia que, em democracia, nunca encontrou a sua estrutura? Acontece Portugal em 2010/2011.
Depois de tantos dias em que se sucederam putativas crises externas, com a vinda do FMI, crises políticas, com o PSD a ameaçar com veemência o chumbo orçamental, finalmente está à transparência a verdadeira crise: as novas medidas de austeridades, contidas nas linhas gerais do OE/2011, aprovadas pelo Conselho de Ministros de quarta-feira, deixam perceber a dimensão da crise económica com que o país se debate. Seguir-se-á uma crise social? Não me parece, não somos gente de clamar justiça. Mas antecede-lhe e persegue-a uma crise orçamental.
Na expectativa do que teria o governo a dizer, o filme "Wall Street, o dinheiro nunca dorme" relembra os primórdios desta crise e como um grupo de indivíduos, através de más-práticas de mercado ou do "risco moral", condicionam os mercados financeiros e a economia global. A história é simples: Gekko regressa da prisão para retomar a vilania. E encontra um Jacob Moore, jovem corrector de Wall Street, sedento de vingança face ao novo vilão, Bretton James, CEO de um banco de Investimento que passou a perna ao seu maior rival. Gekko utiliza o primeiro para destruir o segundo, pleno da sabedoria de observador durante anos e anos. Assim vamos nós: a Alemanha, a quem a história ofereceu grandeza e aplicou as piores sanções, regressa ao centro do poder, como Gekko, e decide que a fórmula orçamental, que adoptou entre portas, é a poção mágica que salva todas as economias da Eurolândia, desprezando o facto de as assimetrias serem tais que fórmulas homogéneas não servem ninguém. Nós, "novatos" mas sedentos de fazer bem, não questionamos o modelo e seguimos as indicações rumo aos 3 por cento, ainda que signifique a recessão e não seja senão remédio e não cura para os problemas de uma economia sem rumo. E a Europa, que castigou a Alemanha juntamente com os EUA, suportará as imposições da sra. Merkl, ou o euro acaba.
Não encontro qualquer poesia nesta justiça histórica. E cada vez menos sentido nos limites que o Pacto de Estabilidade e Crescimento impõem a quem queira permanecer no ‘el dorado' da moeda única. E com tamanhas limitações, que outra solução poderia o projecto de OE/2011 conter que não fosse o corte das despesas correntes e o aumento do IVA? Quando os mercados financeiros são, como o iluminado Gekko profetiza no "Wall Street 2", alimentados a esteróides, caminhando de bolha em bolha, a artificialidade da crise das dívidas soberanas obriga-nos à vassalagem aos especuladores.
Obrigou toda a UE, que cedeu à Alemanha a escolha do caminho, com o Reino Unido a fazer por si, cada vez mais certo de que a libra será império por aqueles lados da Europa. Não há outra solução, a menos que enfrentemos uma realidade perversa: não podemos proteger a economia sem cuidar de agradar ao mercado e ao PEC, em simultâneo. Com todos os paradoxos que esta frase comporta.
Ou, como pergunta o vilão ao jovem corrector: "és um idealista ou um capitalista?". Depende. Do tamanho da próxima bolha.

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