9 de outubro de 2010

A República, ontem no Diário Económico

Na semana do centenário da República, a crise das finanças públicas que contagia a economia não permitiu celebrar a trilogia “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, mas antes apelar à responsabilidade.

De quem? Dos agentes políticos. O orçamento do Estado para 2011 dominou os discursos.

A República Portuguesa, essa jovem de 100 anos, está longe de constituir a sociedade justa que Platão compôs n' "A República»", no século IV a.C. Trata-se de um "diálogo socrático", género literário em prosa: todo o diálogo é narrado na primeira pessoa, por Sócrates, que desafia o interlocutor à discussão para, através da ironia e da maiêutica, fazerem uma descoberta dialogante da verdade e chegaram ao ideal da sociedade justa. No Politéia de Platão, tal como na República do 5 de Outubro, a educação é o núcleo da justiça social, pois permite seleccionar e avaliar as aptidões de cada um. Ora, dividida a alma platónica em três partes, resta saber em quem é que, nos cem anos da nossa República, predomina o apetite, a coragem e a razão.

O líder da oposição, Passos Coelho, tem revelado mais olhos que barriga. É, sem dúvida, alguém em quem predomina uma certa gula sempre à espera de concretização. Tem apetite pela governação, mas não sabe quando deita o governo abaixo. Tem apetite pelo liberalismo económico, mas não sabe se viabiliza o OE/2011 e muda a Constituição. Tem apetite pelo poder, e a avidez cresce na proporção da razão que perde. Quem se vê envolvido em meras impressões geradas pelo apetite sentido, diz Platão, acaba por pertencer às classes inferiores da República.

O primeiro-ministro, José Sócrates é dos corajosos e resolutos. Foi reformador contra as massas, enfrenta as dificuldades de peito erguido e em 2011 prepara-se para enfrentar, segundo o FMI, uma queda de 1,4 por cento do PIB, a recessão e o aumento do desemprego. No 2.º trimestre deste ano, o PIB nacional cresceu 1,5 por cento, face aos 2 pontos percentuais da média no espaço da UE. Na Politéia, os corajosos são da classe dos guardiões, soldados que zelam pela segurança mas também pela guerra. E não é Sócrates um homem de guerra(s)?

É por isso que, nos seus cem anos, a nossa República não é uma sociedade justa: os principais actores políticos são dados ao apetite ou à coragem, mas menos à razão. E só o predomínio desta gera os dirigentes, já dizia Platão. Mais: o confisco de toda a riqueza privada, transformada num tesouro estatal, é vital à paz social, evitando a discórdia e a desigualdade entre cidadãos: será o que se pretende com o aumento dos impostos, antevisto no OE/2011? É este, questiono com ironia, o desígnio último do PEC? Os mercados não têm corpo, mas farejam as fragilidades e sentem a dúvida. E pelo sim, pelo não, os juros da nossa dívida continuam a subir.

A república já pereceu às mãos de um «ditador das finanças», bem apontou Pacheco Pereira. Findará agora às mãos da ditadura das finanças? Resta-nos ser capazes de "unirmo-nos no chão pátrio de Portugal, sem fissuras ou rupturas", como proclamou a 5 de Outubro de 1910 o Partido Republicano Português.

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