2 de outubro de 2010

A minha perigosa ideia

(Atenção que a ideia original era guisar uma ideia perigosas e terem uma contra-ideia menos perigosa. Não estou convicta que o voto obrigatório fosse a solução mágica, só em domingos eleitorais, por momentos, quando a percentagem de absentistas é revelada - depois volta a dúvida...)




O voto obrigatório
Marta Rebelo

A questão da reforma do sistema eleitoral português é quase tão antiga quanto a democracia portuguesa. Sempre do prisma sistemático, lá está, e muito pouco sobre a perspectiva dos seus principais agentes: os eleitores. Se o eleito deve alcançar esse estatuto através de um sistema eleitoral de círculos uninominais, ou num esquema misto que reúna uninominalidade com uma lista nacional plurinominal – uma cambiante inspirada e devidamente adaptada do sistema eleitoral alemão –, é sempre o cerne do debate. Ainda recentemente, o novo líder do PSD, Pedro Passos Coelho, renovou os votos neste «casamento» de intenções a que todos os partidos se vinculam, mas nenhum ousa executar.
Ora, o como e em quem são temáticas que o eleitor vê constantemente discutidas. Mas ao eleitor nada é pedido senão que, conscientemente, se desloque à sua assembleia de voto em dia de eleições, e exerça o seu direito. Só que a consciência não tem conhecido reforço estatistico relevante – superamos os 50 por cento de abstenção em inúmeros actos eleitorais, nomeadamente em eleições presidenciais resolvidas em primeira volta e, sobretudo, nas eleições europeias. E aquilo que Abril tornou direito de exercício absolutamente livre, também fez dever. Votar, atingida a maioridade, é um direito fundamental. Mas, reverso da medalha, um dever fundamental. Exercer o direito ou cumprir ou dever é simplesmente deixado ao critério do eleitor. Sem outro incentivo que não seja a realização de um dever cívico, conquista da revolução.
Nem sempre foi assim. Não convoco o leitor a viajar até á Constituição de 1933, pebliscitada e meramente programática nas suas inunciações, ou sequer a considerar o direito de voto aos olhos constitucionais dos tempos da «outra senhora». Mas mal a ditadura foi deposta, os primeiros actos eleitorais foram realizados sob a égide do voto obrigatório, com sanções pecuniárias e impossibilidades de carreira na função pública para os abstencionistas.
A discussão constituinte abordou a questão, ficando consagrado no Texto Constitucional de 76 o voto como direito-dever, mas a legislação a prever a obrigatoriedade do voto. Foi a esquerda, em setentas, que liderou a discussão. Em 1982, aquando da primeira revisão constitucional, foi o PSD que propôs a manutenção e mesmo a inserção na Lei Fundamental do voto obrigatório. Ideia que não vingou. Julgámos nós, em 82, que a maturidade democrática nos tinha tomado conta da consciência cívica? Se assim foi, chegados a 2010 faz-se prova do erro de julgamento.
Mas também noutras geografias encontramos o voto como obrigatoriedade. Actualmente, a Bélgica e a Austrália são os países exemplares nesta matéria. Enfim, questiona-se hoje se a Bélgica ainda será um país. Mas a Austrália, sobre essa não restam dúvidas. As taxas de participação eleitoral nunca chegam abaixo dos 93 por cento. Claro está que o sistema eleitoral, do ponto de vista dos procedimentos e utilização plena da tecnologia, é dos melhores do mundo. O voto electrónico, o voto antecipado, o voto em assembleia disttinta da do registo do eleitor, desde que a inscrição seja previamente solicitada, um sem número de possibilidades que tornam o acto de votar realmente simplex.

Em tempos idos, muitos países mantinham soluções de obrigatoriedade do exercício do direito de voto. A Itália (até aos anos 90), a Holanda (até aos anos 70), a França (até aos anos 80), e todos os países para lá da cortina de ferro, onde o ideário comunista ditava que o voto fosse obrigatório mas sem opções de escolha democrática, são exemplos mais próximos.
Actualmente, são os países da América do Sul – que na maioriaa dos casos não prestam a devida homenagem aos valores da democracia, convenhamos – que inscrevem nas suas Constituições a obrigatoriedade do voto. Sempre sancionado com coimas ou dificuldades de progressão em carreiras públicas ou acesso à função pública.
Em Portugal, o conceito já foi património da esquerda – que hoje se horrorizará, estou certa –, mas também já foi defendida pela direita. A verdade é que até encontrarmos um sistema que suplante este, a democracia não é perfeita mas o melhor que soubemos criar. Já dizia Churchill.
Ante os crescentes níveis de abstenção e distanciação entre eleitor e eleito, será suficiente reformar e actualizar o sistema eleitoral, ou é caso para reclamar do eleitor que abdique do sofá domingueiro e vote, obrigatoriamente? Uma ideia perigosa?
Da qual decorrem outras ideias, talvez mais pacíficas na discussão mas igualmente perigosas na execução. No tipicamente prolongado fim-de-semana de Junho no qual decorrem as eleições europeias, por marcação vinculativa da União Europeia, meio país está a aproveitar os feriados e ignora a escolha dos nossos eurodeputados. Aliás, a ignorância estende-se à sua efectiva utilidade e funções, tema que também nos faria percorrer trilhos de perigos imensos.
Ora, se o cidadão eleitor se encontra no Algarve, porque é que não pode votar numa assembleia de voto próxima? Se for obrigado a votar, a administração eleitoral também é obrigada a proporcionar novas soluções ao eleitor, sobretudo do ponto de vista geográfico e tecnológico.
Ao eleitor impõem-se sanções pecuniárias, restrições ao exercício do direito de voto nas eleições seguintes, dificuldades na carreira se for funcionário público ou até obstáculos no acesso a subsídios de natureza social, como o rendimento de inserção ou subsídios de desemprego.
À administração eleitoral impõem-se que crei melhores e mais amplas condições de exercício do direito que renova a sua natureza simultanea de dever.
Ideias perigosas?

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